Hoje, essa atividade, esse esporte é criticado pelos ambientalistas, mas defendido apaixonadamente pelos seus praticantes. E a equipe do Globo Mar vai mostrar a pesca submarina onde ela acontece, no fundo do mar.
Para explicar melhor o esporte, o Globo Mar conta com a ajuda de duas feras da pesca submarina no Rio de Janeiro: o Diego Santiago, que é tetracampeão por uma das confederações brasileiras de mergulho, e o Eduardo Oliveira, que já é um veterano.
Diego: A gente mergulha junto, e o Eduardo foi um dos meus professores.
Pescador submarino carioca tem vantagem: não precisa ir longe. O peixe pode estar logo ali, nas Ilhas Cagarras, a cerca de cinco quilômetros da praia de Ipanema. Os belos maciços de pedra viraram unidade de conservação. Agora, a lei só permite pescar a partir de dez metros das ilhas.
Eduardo pesca nestas águas há quase 50 anos. Uma tradição de família. Com disposição de garoto, ele é o primeiro a cair na água, com a sua inseparável boia, um aviso de que lá embaixo tem mergulhador.
Ernesto Paglia pergunta sobre a cor da roupa usada por Diego, que explica: Em alguns casos, a camuflagem ajuda a você não chamar tanto a atenção, do peixe principalmente.
As nadadeiras também são especiais. Feitas com material de avião e carro de Fórmula 1.
No mar, o instrutor de pesca submarina se transforma. Vira peixe. Com movimentos suaves, ele apresenta as principais técnicas da pesca sub. Primeiro, a espera. O mergulhador segura o fôlego e fica imóvel, aguardando o peixe vir até ele.
Outra estratégia é a pescaria em toca. Diego desliza até o fundo rochoso – refúgio de peixes que vivem entre as pedras. O pescador usa todo o seu fôlego – muito fôlego.
E tem, também, a pescaria na espuma, que Diego explica: Onde a onda bate, você desce e vem por baixo da espuma procurando aqueles peixes que ficam comendo coisas que a onda solta da pedra.
Com toda essa técnica, não quer dizer que o peixe está na mão. Ao contrário. Nossos pescadores mergulharam e voltaram pra lancha com as mãos abanando.
Diego: Cheguei a ameaçar alguns, mas eles foram mais espertos do que eu.
Eles levam na esportiva. Mas o esforço é grande. E o perigo, também.
Diego: eu uma vez sofri um apagamento. Por sorte, um companheiro meu estava mergulhando junto comigo, eu desci e numa dessas descidas meu ar acabou durante a subida. Meu oxigênio acabou, quando se atinge um nível mínimo de oxigênio, seu corpo simplesmente desliga. Ele te apaga pra você economizar esse pouquinho oxigênio que ainda tem pros órgãos mais vitais continuarem trabalhando e te dar uma segunda chance, de alguém te pegar, te tirar da água ou você boiar. Então esse amigo, me pegou, me tirou da água e foi por muito pouco que eu não estava aqui pra contar essa historia pra vocês.
Eduardo: o pior perrengue é quando você vem com um amigo e volta sem. Esse é brabo e já aconteceu comigo, duas vezes.
Paglia: isso não faz você pensar em largar tudo?
Eduardo: Às vezes faz, mas a gente sabe que foi erro dele, entendeu? Não é o esporte que está errado, errada é a pessoa que fez errado.
Novo dia na Baía da Guanabara e mais uma oportunidade para o Globo Mar acompanhar os pescadores no fundo do mar. Só que, dessa vez, a equipe levou um brinquedinho novo.
Paglia: Antes de entrar na água a gente tem que se entender com essa outra parte do equipamento que vai nos permitir algo inédito: vamos falar embaixo d’água.
A máscara é especial. Cobre o rosto inteiro. Dentro dela, estão o respirador e um equipamento de rádio.
Diego: A frequência cardíaca abaixa, a atenção fica redobrada, os movimentos naturalmente tendem a ficar mais lentos e eu, só com o rosto dentro d’água, consigo reduzir a frequência cardíaca pra 30 batimentos por minuto, mais ou menos.
É claro que toda essa atividade tem um preço ambiental. Como é que eles encaram o fato de matar peixes por esporte?
Diego: se eu comparar a pesca comercial, que é o que realmente abastece essa necessidade de peixe, o impacto é tão insignificante que eu até me arrisco a dizer em alguns casos que a gente preserva mais do que impacta.
Eduardo: A gente só pega peixe adulto, teoricamente já reproduziu algumas vezes. O impacto é mínimo ambientalmente.
Pois é. Mas o professor Marcelo, consultor científico do Globo Mar, explica que esse negócio de só matar peixe grande tem, sim, um efeito muito sério, especialmente, sobre certos peixes muito disputados pelos pescadores submarinos.
Marcelo: Existe um grupo que é muito visado pelos caçadores submarinos que são as garoupas, chernes, badejos, e esses animais, eles são hermafroditas. Todos nascem fêmeas. Um e pouquíssimos indivíduos se tornam macho. Quando aquele macho por ser o maior é o escolhido pelo caçador, exatamente por ser o maior, o que o caçador pode estar fazendo é tirando um dos poucos machos daquela região, daquela espécie.
O problema é que todo o cardume para de se reproduzir até que outra fêmea se transforme no macho dominante daquele grupo.
Paglia: E isso é rápido?
Marcelo: Lógico que não. Você cria uma lacuna reprodutiva pra aquela região.
A informação surpreende os próprios pescadores. Até porque eles também amam a natureza.
Diego: Nós somos amantes do mar. Eu quero que o mar fique assim, eu quero que o mar melhore ainda mais pros meus filhos, pros meus netos, pra eu mesmo continuar praticando o esporte. Então a gente está sempre atento a irregularidades, a tipo de pesca proibido, pesca em local proibido, pesca de peixes abaixo da medida, a gente está sempre atento, a gente critica isso, denuncia e acaba cativando as pessoas ao nosso redor.
Agora, o Globo Mar chega ao litoral sul do país. A equipe do programa está entre o continente e a ilha de Santa Catarina, onde vai conhecer outro tipo de pescador submarino.
A maior parte dessas pessoas tem origem na pesca. São filhos de pescadores, netos, são filhos de imigrantes que chegaram pelo mar, tem muita história, tem muita tradição marinha, de navegação e de pesca em Santa Catarina.
A equipe navega para o norte da ilha, na direção de um dos lugares preferidos pelos pescadores catarinenses: a Ponta do Xavier. A bordo, há uma amostra bem variada da turma da pesca submarina local. Entre eles, um nome que está gravado na história do mergulho brasileiro: Francisco França, um professor de xadrez que estabeleceu recordes de mergulho sem respirar, a chamada apneia, e que, hoje, usa o fôlego para ganhar a vida com um tipo de pesca submarina autorizada e diferente.
Estes pescadores deixam os peixes de lado. O que eles querem está incrustrado nas pedras. Em um esforço braçal, eles retiram os deliciosos mariscos que crescem na espuma da arrebentação. É um esforço de equipe.
Um raspa o costão com uma espécie de espátula. Os mexilhões caem no meio das rochas. E o outro, rapidamente, recolhe tudo com uma rede. Um trabalho cansativo e arriscado que rende muito.
De volta ao barco, Sr. França mostra o que pegou. Hoje, foram cerca de 150 quilos. Enquanto o vapor cozinha mariscos, outro pescador chega com o seu troféu: uma garoupa
O peixe tem cerca de meio metro e pesa quase dez quilos. Está dentro da lei. Há tabelas de tamanho e peso para cada espécie. E também um limite pra cada pescaria. O pescador só pode pegar 15 quilos e mais um peixe.
Luiz Henrique: vendo o peixe antes de matar, a gente consegue selecionar, principalmente o tamanho dos peixes. Para respeitar o que o Ibama exige que é o tamanho mínimo, peso mínimo, quantidade mínima.
A verdade é que é difícil aplicar a lei. O Brasil só tem duas reservas biológicas marinhas, uma é o Atol das Rocas. A outra é a do arvoredo
A Reserva do Arvoredo existe desde 1990. Ela protege as quatro ilhas do arquipélago, que fica a 40 quilômetros de Florianópolis. O Arvoredo é a área de preservação com a melhor estatística de fiscalização do país. Mesmo assim, muita coisa passa longe dos olhos dos homens do Instituto Chico Mendes. Sem base própria na ilha, os fiscais ficam na capital, a quase uma hora de barco da reserva.
Nem é preciso estar pescando. A simples presença de equipamento de pesca em uma reserva é ilegal.
O chefe da reserva, Ricardo, fala da difícil tarefa de cuidar daquilo que é de todos. Mas nem todos respeitam.
Paglia: E aí, vocês enfrentam muitas invasões da reserva?
Ricardo: Sempre. De dez vezes que a gente vem, metade, mais ou menos, sempre tem algum desavisado e a gente tem que atuar. Ou está praticando a pesca ilegal. Aí é crime ambiental. Mais do que motivo pra multa. Aí vai pra cadeia.
É hora de perguntar ao chefe do ICMBio quais as outras limitações pra a prática da pesca submarina.
Paglia: A pesca sub é amadora?
Ricardo: É amadora, esportiva, é pra consumo próprio, não é considerada uma pesca profissional, isso está bem claro na legislação nacional.
Bem, já que temos fiscais e fiscalizados a bordo, resolvemos sugerir um desafio para o fôlego destes pescadores. Eles terão a chance rara de mergulhar nas águas proibidas da reserva. Mas, em vez de pegar peixes, os esportistas vão pegar todo o lixo que encontrarem.
Apesar de fechado à visitação há mais de 20 anos, o mar do Arvoredo ainda mostra cicatrizes da poluição.
O lixo trazido pela correnteza se mistura a restos de redes e detritos de barcos pesqueiros.
Hoje, quem tira peixes da natureza está ajudando a natureza a se recuperar.
Paglia: E eu, que não estou com esse folego todo, vou poder contar com uma ajuda especial pra poder mergulhar nas águas da reserva.
Uma espécie de moto subaquática. Com ela você pode se descolar seis vezes mais depressa do que batendo o pé, com a vantagem de que não se cansa, não consome muito ar.
Na Reserva do Arvoredo vivem cerca de mil espécies marinhas. Ao todo, 26 delas estão ameaçadas de extinção – a maior concentração em áreas preservadas como esta no país. Felizmente, a maior parte do fundo parece limpa. Mas, quando os mergulhadores chegam às pedras, encontraram muito lixo, inclusive uma geladeira e um tambor de diesel.
“Isso aqui é lixo nosso, então se o nosso próprio pescador não se conscientizar disso aí, a gente vai perecer”, diz o pescador Abimael Silva.
Nas conversas com a maioria dos pescadores que a equipe do Globo Mar conheceu nesta viagem, uma triste confirmação: ao longo dos anos, o tamanho e o peso dos peixes vêm diminuindo. E não é só em Santa Catarina.
No Rio de Janeiro, dois pioneiros da pesca submarina também confirmam que os mares já não têm aqueles cardumes imensos cinquenta anos atrás. José Carlos de Brito é advogado, mas também participante da primeira delegação brasileira em um campeonato mundial de pesca submarina, em 1958. E Arduino Colassanti, legítimo italiano que mudou pro Rio de janeiro com 11 anos de idade. Quando chegou, descobriu o mar, descobriu a pesca e nunca mais saiu dele.
José Carlos: naquela época nós não usávamos roupa pra mergulhar. A minha primeira roupa de mergulho, de neoprene, que depois o Arduino comprou porque eu engordei, foi comprada em Portugal, em Lisboa.
Estes senhores já caçaram muito no fundo do mar.
José Carlos: eu matei, ele também, meros de mais de 100 quilos, de 200.
Será que estes veteranos se sentem responsáveis pelo encolhimento dos peixes e pelo sumiço dos grandes cardumes?
Arduino: É, responsáveis, mas inocentes, porque parecia que não ia acabar. Nunca se pensou que iam diminuir tanto os peixes pescáveis de mergulho.
O tempo mudou a natureza. E também mudou estes homens.
José Carlos: Eu não sou favorável ao torneio de caça submarina. Porque o torneio de caça submarina visa basicamente a matança, porque aquele que matar mais fará mais pontos e ganhara o torneio. Então eu acho que isso também tem que ser repensado.
Arduino: Eu acho que é importante que haja lugares que são preservados. Que haja santuários. Lugares que ali não se toca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário