segunda-feira, 23 de setembro de 2013

sex, 21/06/13 por thiago.brandao | categoria Episódio da temporada 2013, Notícia, Temporada 2013 Há 50 anos, brasileiros e franceses entraram em conflito e o alvo da disputa vinha do fundo do mar, de uma profundidade de até 50 metros. A lagosta é um dos frutos do mar mais cobiçados do mundo, símbolo de riqueza e de nobreza. E ainda hoje é o negócio mais rentável pros pescadores dessa região. O Globo Mar foi até o Ceará para acompanhar de perto a abertura da temporada de pesca da lagosta. A equipe do programa embarca em Fortaleza, capital do Ceará. “Eu tenho que avisar: prepare-se, porque nós vamos mostrar algumas das paisagens mais lindas do Brasil, quiçá do mundo”, diz a repórter Poliana Abritta. O Globo Mar embarca no catamarã voyager e está em casa. E a tripulação conhece bem as águas nordestinas. A viagem começa a três dias do início da temporada da lagosta. E o Ceará é o maior estado produtor de lagosta do Brasil. A primeira parada vai ser Beberibe, depois Canoa Quebrada e, por último, Icapuí, a 200 quilômetros de Fortaleza. É lá a pesca da lagosta. A cor da água é linda. E tem vento, muito vento. Poliana: e navegação com vento significa o quê? Rodriguez, piloto do voyager: barco balançando muito. Poliana: barco balançando, gente mareando, água entrando. Muito bem, é assim que a gente gosta. Nico, comandante do voyager: muito difícil, bastante dura. Porque a gente pega o vento contra, as ondas contra e também a correnteza, a correnteza do mar também é contra. Depois de cinco horas de navegação, a equipe chega, enfim, a Beberibe. Lá estão as famosas falésias, inclusive protegidas, é uma unidade de conservação desde 2004. O pessoal chegou com a jangada pra ajudar a gente a desembarcar. Vai ser um desembarque molhado. Significa que a equipe vai ter trabalho pra poder sair do catamarã com equipamento, com toda a bagagem, pra conhecer de perto essa beleza toda. “Vai ser delicado, complicado”, comenta Poliana. Apesar de ter que ser um pouquinho equilibrista, a equipe chega na praia de morro branco em segurança. É uma obra de arte esculpida pela natureza diariamente, e que se transforma ao longo do ano, ao longo dos dias. Então todo o desenho que se vê, e a coloração que começa no amarelo até chegar ao terracota, é uma coisa que a gente assiste e vê mudar. Poliana: o Adriano é o representante da secretaria de meio ambiente do estado do Ceará e pode explicar pra gente direitinho o que pode e o que não pode nessa região, que é uma unidade de conservação. Então, assim, quais são as regras, o que é permitido e como é que se protege esse santuário de falésias, Adriano? Adriano Sales Coelho, supervisor de núcleo do Conpam: como é unidade de proteção integral, o que se é permitido hoje no monumento das falésias de Beberibe é simplesmente turismo. Antes de ser monumento, tinha constantemente comércio dentro das falésias, tinha barracas de vendas de materiais pra turistas, souvenir. Então só nessa retirada a gente já teve um avanço grande. Mas pena que dentro do que os nativos chamam de labirinto ainda existam registros de vandalismo. Tem gente que quer deixar uma marca. Uma marca negativa. Adriano Sales Coelho: é frágil, muda, mas quando se faz uma coisa, a gente pode ver lá em cima que tem, ele com certeza tem dez anos. Dá até vontade de ficar, mas tá na hora de levantar âncora. A equipe do Globo Mar está em contagem regressiva: faltam dois dias pra abertura da temporada de pesca da lagosta. E avista os cata-ventos. O pessoal local brinca que esses grandes ventiladores nunca são desligados. Mas é o vento que nunca para por lá. Depois de umas cinco horas de navegação, a equipe chega a Canoa Quebrada. A vila recebe turistas do mundo inteiro. É que ela ficou popular na década de 1970, quando foi descoberta pelos hippies. Ulisses Batista, bugueiro: nós temos o símbolo da lua e estrela, criado na década de 1970 por um artesão chamado Chico Tartaruga. A lua significa o amor e a estrela, fertilidade. Nas areias de Canoa Quebrada ainda há sinais da herança deixada pelos hippies. Mas o que dá vida à cidade ainda é a boa e velha pescaria. Mesmo quem encontrou um lugar no mercado de turismo não abre mão de pescar. Aqui é assim: bugueiro e pescador. Instrutor de parapente e pescador. A equipe acorda cedinho, em Canoa Quebrada. Foi acompanhar os pescadores que vão cair no mar pra pescar arraia. Gilson Pereira dos Santos, pescador: tudo pronto, estamos enrolando. O pescador Gilson Pereira dos Santos mostra a linha que vão usar para pegar arraia. Poliana: ela é grossa mesmo. Sempre grossa? Gilson Pereira dos Santos: é sempre grossa, porque a arraia tem muita força. A arraia é tão forte que tem história de pescador que ficou mais de três horas pra conseguir tirá-la do fundo do mar. Briga que parece ser boa. A arraia, quando sente que foi fisgada, tenta fugir do pescador fazendo um vácuo, grudando o ventre no sedimento que a mantém fixa no fundo do mar. De longe não tem graça. O bom é de pertinho, com o pé na jangada, lá dentro, pra até sentir a força da bichinha. Poliana: pessoal, vou subir aí, mas eu preciso de uma ajuda. Essa é grande, mesmo. Pescador: pego na marra, eu. A bióloga marinha Janaina Machado mora em Canoa Quebrada e está passando pro nosso barco agora pra conversar um pouquinho com a gente sobre a arraia. Poliana: Janaína, ela usa aqui o ferrão dela pra se defender ou também pra capturar? Janaína Machado, bióloga marinha: não, ela usa pra se defender, e esse ferrão, ele entra como um prego. E na hora que ele sai, ele sai rasgando, por causa dessas serrilhas que ele tem, entendeu? Então ele entra suave, mas na hora que ele sai faz um machucado muito grande no pescador. Pescador: nós estamos batendo um engodo, que é pra atrair a arraia, que ela está enterrada, aí ela sente o cheiro da isca. Mais fácil de pegar ela. E as iscas usadas são bicuda, serra e ubarana. E logo, logo, elas começam a chegar. Uma, duas, três, quatro. Janaína Machado: eles pescam bastante arraia há várias décadas, é uma pesca muito tradicional, principalmente devido ao tamanho dela, né? Então, você imagina, numa família com muitas pessoas, o pescador chega com uma arraia dessa, isso é um alimento abundante. Poliana: e dá pra vender também? Janaína Machado: dá pra vender também, mas no local, eles usam mais como alimentação, mesmo. Poliana: é sempre uma pesca artesanal? Janaína Machado: é pesca artesanal. O almoço é arroz com farofa de arraia. Muito bom. Foi o suficiente pra deixar todo mundo curioso e com agua na boca. O responsável é o homem da cozinha. Leandro: trabalha duro, aí tem que se alimentar bem. O Globo Mar navega pelo Ceará em busca do fruto do mar mais cobiçado do mundo. A equipe chegou na Praia de Redonda e encontrou toda a comunidade pesqueira com os barcos já cheios de manzuá, que é a armadilha que eles usam pra capturar a lagosta. Todo mundo pesca lagosta. Pescador: só pesca lagosta, todo mundo aqui. Esses barcos aqui só pescam lagosta. E no restante do ano sobrevive com o dinheiro do seguro. Durante seis meses, o período do defeso, a pesca da lagosta é proibida, porque é a época dela crescer e se reproduzir. E o início da temporada de pesca é um evento marcante na cidade. Hora de trabalhar. Todo mundo trabalha em comunidade. Tudo é artesanal. As filhas ajudam os pais, as mulheres ajudam os maridos a carregar o manzuá. A lagosta entra no manzuá e depois não consegue sair. A armadilha, apesar de aberta, engana o crustáceo, que não nada bem. Poliana: lá dentro eles colocam um pedaço de concreto, pra fazer peso, e ele afundar na água. E tem um a corda com um pedaço de isopor, que é pra corda ficar flutuando e eles saberem onde é que eles deixaram o manzuá. E um pedaço de coco, que fica junto com a isca de peixe, pra atrair a lagosta. Qual é a isca que o senhor está usando? Pescador: bagre, porque é a isca melhor pra lagosta gostar mais. E no fundo do mar da costa do Ceará é cheio de alga calcária. Marcelo Vianna, consultor científico da UFRJ: aqui não tem areia. A gente tem o cascalho grosseiro e alga calcária. Poliana: e isso é bom pra lagosta? Marcelo Vianna: isso é o que ela procura, porque é onde ela se alimenta. Ela se alimenta dessa alga calcária, dos animais que tão junto dessa alga, e com isso ela tem nutrientes pra formar a casca que ela vai trocar periodicamente, conforme ela for crescendo. A equipe tira um cochilo, acorda às 3h30, e vai para a praia porque é o grande dia. Os pescadores começam a chegar, os barcos estão todos prontos pra, enfim, pescar lagosta. Poliana: Seu Francisco, o senhor já está aí também? E no meio desse povo todo a equipe do programa descobriu uma pescadora. A tua profissão é pescadora, de carteira? Sidnéia Lusia, pescadora: pescadora, de carteira registrada. Poliana: mas é a única nessa região? Sidnéia Lusia: a única. Poliana: e nunca sofreu preconceito dos outros pescadores, não? Sidnéia Lusia: só sofri, até agora. Poliana: é mesmo? Sidnéia Lusia: mesmo assim, hoje tem uns que já me aceitam, mas muitos deles falam que mulher vai lá, o vento vai ficar forte, vai enjoar. E você quer ir. Poliana: e o seu pai? Sidnéia Lusia: meu pai, ele não queria, mas já que ela quer, fazer o quê? Chega a hora dos pescadores escolherem um ponto pra lançar os manzuás no mar. E um pessoal usa um GPS pra marcar o lugar. Mas muito dos pescadores, não têm esse recurso. Poliana pergunta a um grupo que não têm GPS como é que eles fazem pra identificar o lugar exato onde eles lançaram os manzuás. Um deles conta que logo na frente tem um morro, e em cima tem uma moita, e que ele marca então a direção por estes dois pontos. E pra saber qual manzuá é deles, eles marcam no isopor, passam uma tinta. Eles jogam o manzuá em um dia e só recolhem no dia seguinte. O manzuá vai ficar 24 horas no fundo do mar, pra deixar ir acumulando lagostas lá dentro. Toda a tripulação está atenta no barco. Rodrigues, seu Djalma, o Nico do outro lado. A equipe do Globo Mar está em um emaranhado de manzuás. Como os pescadores foram atirando na água os seus manzuás, a equipe do programa tem que navegar com muito cuidado, pra não enganchar em nenhuma das cordas que estão marcando a posição dos manzuás. É perigoso estragar a pescaria dos caras e o motor do barco também. Poliana: Nico, como é que você está fazendo pra se desvencilhar aí, dá pra enxergar direitinho? Nico: então, a gente tem que ficar com cuidado, porque têm várias boias, a sinalização do manzuá, e a gente tem que ficar desviando, tem que prestar atenção no mar, agora é feito um labirinto, a gente tem que sair desviando. A pesca com o manzuá é legal, limpa e artesanal. Mas também existe uma pesca predatória por lá. Um barco que passa na região faz pesca com compressor. Esse é o grande problema da região. Essa pesca é ilegal e é a grande ameaça aqui pros pescadores da pesca artesanal. Há três anos os pescadores da região entraram em conflito com mergulhadores, que estavam pescando lagosta usando compressor. Resultado: barcos foram queimados e cinco pessoas morreram. O compressor é ligado ao motor do barco. Um botijão vazio é usado como reservatório de ar, canalizado pro pescador que está no fundo do mar. Eles capturam a lagosta com as mãos. Marcelo Vianna: a produção de um dia de pesca com compressor equivale a quatro dias de pesca com manzuá. Ela é muito mais lucrativa, mas, ao mesmo tempo, ela é muito mais impactante. A captura é muito grande, e a lagosta já é um recurso que está diminuindo e não tem uma legislação que especifique. Enquanto a pescaria com manzuá fica parada durante seis meses durante o defeso, essas atividades de mergulho e de rede, por serem ilegais, operam durante o ano inteiro. Eles, inclusive, mergulham nos manzuás com lagostas e retiram lagostas dos manzuás, isso tem criado um conflito gigantesco aqui na região. E não é de hoje que a pesca da lagosta mexe com os ânimos. Há 50 anos, nessas águas, brasileiros e franceses entraram em conflito. Houve uma disputa, um problema diplomático por causa da pesca da lagosta. Navios franceses estavam pescando no litoral do Ceará e no litoral de Pernambuco e os pescadores brasileiros, é claro, não gostaram. Chegou a hora de ir buscar esse tesouro. Está aberta a temporada da lagosta, vamos começar pelo barco da nossa pescadora, a Sidnéia. É difícil de se equilibrar. O barco balança um pouquinho mais. É um barco a motor, anda um pouco mais rápido do que os barcos à vela da maioria dos pescadores de lá. Mesmo assim a previsão de chegada é de umas duas horas e meia de navegação. Mas, balançar, você sabe, é com o Globo Mar. Poliana: esse é momento de maior expectativa, porque depois de seis meses sem pescar, eles tão puxando a primeira armadilha, o primeiro manzuá, pra ver o que vem de lagosta. Olha, duas. Até que enfim. Desencantamos. Sidnéia Lusia: está bonita essa, mas está melhorando. Enquanto a Sidnéia retira os manzuás, a equipe do programa vai ver como estão se saindo os outros pescadores. Uns com menos sorte, outros com mais. Joaquim Sabino, pescador: quem tem sorte de acertar, pega. Quem não tem, vem embora sem nada. Poliana: vocês estão com fé pra essa temporada, estão animados, estão otimistas, como é que tá, depois desse saco? Eduardo Batista de Souza, pescador: eu acho que, depois disso, a gente está muito ansioso. Eu acho que a tendência é melhorar. Joaquim Sabino: expectativa de melhorar, e que seja bom. Poliana: nossa que sacão. Quantas tem, Eduardo? Eduardo Batista de Souza, pescador: tem mais ou menos, umas 100 lagostas. Poliana: você colocou quantos manzuás? Eduardo Batista de Souza: lá nós temos 60 cangalhas. Poliana: E dessas 60 saíram essas cem lagostas. Hoje cedo você saiu com fé, Eduardo? Eduardo Batista de Souza: saí. Ontem mesmo eu já fui arriar com fé. Já hoje eu disse à mulher lá em casa que, quando eu chegasse, eu trazia lagosta. Poliana: saiu com fé e vai voltar como? Pescador: com fé, mais ainda. E feliz. Poliana: quando chega em casa com esses dois sacos de lagosta, como é que é? Pescador: a mulher lá vai dar graças a Deus.

sex, 21/06/13 por thiago.brandao | categoria Episódio da temporada 2013, Notícia, Temporada 2013
Há 50 anos, brasileiros e franceses entraram em conflito e o alvo da disputa vinha do fundo do mar, de uma profundidade de até 50 metros. A lagosta é um dos frutos do mar mais cobiçados do mundo, símbolo de riqueza e de nobreza. E ainda hoje é o negócio mais rentável pros pescadores dessa região. O Globo Mar foi até o Ceará para acompanhar de perto a abertura da temporada de pesca da lagosta.
A equipe do programa embarca em Fortaleza, capital do Ceará.
“Eu tenho que avisar: prepare-se, porque nós vamos mostrar algumas das paisagens mais lindas do Brasil, quiçá do mundo”, diz a repórter Poliana Abritta.
O Globo Mar embarca no catamarã voyager e está em casa. E a tripulação conhece bem as águas nordestinas.
A viagem começa a três dias do início da temporada da lagosta. E o Ceará é o maior estado produtor de lagosta do Brasil. A primeira parada vai ser Beberibe, depois Canoa Quebrada e, por último, Icapuí, a 200 quilômetros de Fortaleza. É lá a pesca da lagosta.
A cor da água é linda. E tem vento, muito vento.
Poliana: e navegação com vento significa o quê?
Rodriguez, piloto do voyager: barco balançando muito.
Poliana: barco balançando, gente mareando, água entrando. Muito bem, é assim que a gente gosta.
Nico, comandante do voyager: muito difícil, bastante dura. Porque a gente pega o vento contra, as ondas contra e também a correnteza, a correnteza do mar também é contra.
Depois de cinco horas de navegação, a equipe chega, enfim, a Beberibe. Lá estão as famosas falésias, inclusive protegidas, é uma unidade de conservação desde 2004. O pessoal chegou com a jangada pra ajudar a gente a desembarcar. Vai ser um desembarque molhado. Significa que a equipe vai ter trabalho pra poder sair do catamarã com equipamento, com toda a bagagem, pra conhecer de perto essa beleza toda.
“Vai ser delicado, complicado”, comenta Poliana.
Apesar de ter que ser um pouquinho equilibrista, a equipe chega na praia de morro branco em segurança.
É uma obra de arte esculpida pela natureza diariamente, e que se transforma ao longo do ano, ao longo dos dias. Então todo o desenho que se vê, e a coloração que começa no amarelo até chegar ao terracota, é uma coisa que a gente assiste e vê mudar.
Poliana: o Adriano é o representante da secretaria de meio ambiente do estado do Ceará e pode explicar pra gente direitinho o que pode e o que não pode nessa região, que é uma unidade de conservação. Então, assim, quais são as regras, o que é permitido e como é que se protege esse santuário de falésias, Adriano?
Adriano Sales Coelho, supervisor de núcleo do Conpam: como é unidade de proteção integral, o que se é permitido hoje no monumento das falésias de Beberibe é simplesmente turismo. Antes de ser monumento, tinha constantemente comércio dentro das falésias, tinha barracas de vendas de materiais pra turistas, souvenir. Então só nessa retirada a gente já teve um avanço grande.
Mas pena que dentro do que os nativos chamam de labirinto ainda existam registros de vandalismo. Tem gente que quer deixar uma marca. Uma marca negativa.
Adriano Sales Coelho: é frágil, muda, mas quando se faz uma coisa, a gente pode ver lá em cima que tem, ele com certeza tem dez anos.
Dá até vontade de ficar, mas tá na hora de levantar âncora. A equipe do Globo Mar está em contagem regressiva: faltam dois dias pra abertura da temporada de pesca da lagosta. E avista os cata-ventos. O pessoal local brinca que esses grandes ventiladores nunca são desligados. Mas é o vento que nunca para por lá.
Depois de umas cinco horas de navegação, a equipe chega a Canoa Quebrada. A vila recebe turistas do mundo inteiro. É que ela ficou popular na década de 1970, quando foi descoberta pelos hippies.
Ulisses Batista, bugueiro: nós temos o símbolo da lua e estrela, criado na década de 1970 por um artesão chamado Chico Tartaruga. A lua significa o amor e a estrela, fertilidade.
Nas areias de Canoa Quebrada ainda há sinais da herança deixada pelos hippies. Mas o que dá vida à cidade ainda é a boa e velha pescaria. Mesmo quem encontrou um lugar no mercado de turismo não abre mão de pescar. Aqui é assim: bugueiro e pescador. Instrutor de parapente e pescador.
A equipe acorda cedinho, em Canoa Quebrada. Foi acompanhar os pescadores que vão cair no mar pra pescar arraia.
Gilson Pereira dos Santos, pescador: tudo pronto, estamos enrolando.
O pescador Gilson Pereira dos Santos mostra a linha que vão usar para pegar arraia.
Poliana: ela é grossa mesmo. Sempre grossa?
Gilson Pereira dos Santos: é sempre grossa, porque a arraia tem muita força.
A arraia é tão forte que tem história de pescador que ficou mais de três horas pra conseguir tirá-la do fundo do mar. Briga que parece ser boa.
A arraia, quando sente que foi fisgada, tenta fugir do pescador fazendo um vácuo, grudando o ventre no sedimento que a mantém fixa no fundo do mar.
De longe não tem graça. O bom é de pertinho, com o pé na jangada, lá dentro, pra até sentir a força da bichinha.
Poliana: pessoal, vou subir aí, mas eu preciso de uma ajuda. Essa é grande, mesmo.
Pescador: pego na marra, eu.
A bióloga marinha Janaina Machado mora em Canoa Quebrada e está passando pro nosso barco agora pra conversar um pouquinho com a gente sobre a arraia.
Poliana: Janaína, ela usa aqui o ferrão dela pra se defender ou também pra capturar?
Janaína Machado, bióloga marinha: não, ela usa pra se defender, e esse ferrão, ele entra como um prego. E na hora que ele sai, ele sai rasgando, por causa dessas serrilhas que ele tem, entendeu? Então ele entra suave, mas na hora que ele sai faz um machucado muito grande no pescador.
Pescador: nós estamos batendo um engodo, que é pra atrair a arraia, que ela está enterrada, aí ela sente o cheiro da isca. Mais fácil de pegar ela.
E as iscas usadas são bicuda, serra e ubarana. E logo, logo, elas começam a chegar. Uma, duas, três, quatro.
Janaína Machado: eles pescam bastante arraia há várias décadas, é uma pesca muito tradicional, principalmente devido ao tamanho dela, né? Então, você imagina, numa família com muitas pessoas, o pescador chega com uma arraia dessa, isso é um alimento abundante.
Poliana: e dá pra vender também?
Janaína Machado: dá pra vender também, mas no local, eles usam mais como alimentação, mesmo.
Poliana: é sempre uma pesca artesanal?
Janaína Machado: é pesca artesanal.
O almoço é arroz com farofa de arraia. Muito bom. Foi o suficiente pra deixar todo mundo curioso e com agua na boca. O responsável é o homem da cozinha.
Leandro: trabalha duro, aí tem que se alimentar bem.
O Globo Mar navega pelo Ceará em busca do fruto do mar mais cobiçado do mundo. A equipe chegou na Praia de Redonda e encontrou toda a comunidade pesqueira com os barcos já cheios de manzuá, que é a armadilha que eles usam pra capturar a lagosta. Todo mundo pesca lagosta.
Pescador: só pesca lagosta, todo mundo aqui. Esses barcos aqui só pescam lagosta. E no restante do ano sobrevive com o dinheiro do seguro.
Durante seis meses, o período do defeso, a pesca da lagosta é proibida, porque é a época dela crescer e se reproduzir. E o início da temporada de pesca é um evento marcante na cidade. Hora de trabalhar. Todo mundo trabalha em comunidade. Tudo é artesanal. As filhas ajudam os pais, as mulheres ajudam os maridos a carregar o manzuá.
A lagosta entra no manzuá e depois não consegue sair. A armadilha, apesar de aberta, engana o crustáceo, que não nada bem.
Poliana: lá dentro eles colocam um pedaço de concreto, pra fazer peso, e ele afundar na água. E tem um a corda com um pedaço de isopor, que é pra corda ficar flutuando e eles saberem onde é que eles deixaram o manzuá. E um pedaço de coco, que fica junto com a isca de peixe, pra atrair a lagosta. Qual é a isca que o senhor está usando?
Pescador: bagre, porque é a isca melhor pra lagosta gostar mais.
E no fundo do mar da costa do Ceará é cheio de alga calcária.
Marcelo Vianna, consultor científico da UFRJ: aqui não tem areia. A gente tem o cascalho grosseiro e alga calcária.
Poliana: e isso é bom pra lagosta?
Marcelo Vianna: isso é o que ela procura, porque é onde ela se alimenta. Ela se alimenta dessa alga calcária, dos animais que tão junto dessa alga, e com isso ela tem nutrientes pra formar a casca que ela vai trocar periodicamente, conforme ela for crescendo.
A equipe tira um cochilo, acorda às 3h30, e vai para a praia porque é o grande dia. Os pescadores começam a chegar, os barcos estão todos prontos pra, enfim, pescar lagosta.
Poliana: Seu Francisco, o senhor já está aí também? E no meio desse povo todo a equipe do programa descobriu uma pescadora. A tua profissão é pescadora, de carteira?
Sidnéia Lusia, pescadora: pescadora, de carteira registrada.
Poliana: mas é a única nessa região?
Sidnéia Lusia: a única.
Poliana: e nunca sofreu preconceito dos outros pescadores, não?
Sidnéia Lusia: só sofri, até agora.
Poliana: é mesmo?
Sidnéia Lusia: mesmo assim, hoje tem uns que já me aceitam, mas muitos deles falam que mulher vai lá, o vento vai ficar forte, vai enjoar. E você quer ir.
Poliana: e o seu pai?
Sidnéia Lusia: meu pai, ele não queria, mas já que ela quer, fazer o quê?
Chega a hora dos pescadores escolherem um ponto pra lançar os manzuás no mar. E um pessoal usa um GPS pra marcar o lugar. Mas muito dos pescadores, não têm esse recurso. Poliana pergunta a um grupo que não têm GPS como é que eles fazem pra identificar o lugar exato onde eles lançaram os manzuás. Um deles conta que logo na frente tem um morro, e em cima tem uma moita, e que ele marca então a direção por estes dois pontos. E pra saber qual manzuá é deles, eles marcam no isopor, passam uma tinta.
Eles jogam o manzuá em um dia e só recolhem no dia seguinte. O manzuá vai ficar 24 horas no fundo do mar, pra deixar ir acumulando lagostas lá dentro. Toda a tripulação está atenta no barco. Rodrigues, seu Djalma, o Nico do outro lado. A equipe do Globo Mar está em um emaranhado de manzuás. Como os pescadores foram atirando na água os seus manzuás, a equipe do programa tem que navegar com muito cuidado, pra não enganchar em nenhuma das cordas que estão marcando a posição dos manzuás. É perigoso estragar a pescaria dos caras e o motor do barco também.
Poliana: Nico, como é que você está fazendo pra se desvencilhar aí, dá pra enxergar direitinho?
Nico: então, a gente tem que ficar com cuidado, porque têm várias boias, a sinalização do manzuá, e a gente tem que ficar desviando, tem que prestar atenção no mar, agora é feito um labirinto, a gente tem que sair desviando.
A pesca com o manzuá é legal, limpa e artesanal. Mas também existe uma pesca predatória por lá. Um barco que passa na região faz pesca com compressor. Esse é o grande problema da região. Essa pesca é ilegal e é a grande ameaça aqui pros pescadores da pesca artesanal. Há três anos os pescadores da região entraram em conflito com mergulhadores, que estavam pescando lagosta usando compressor. Resultado: barcos foram queimados e cinco pessoas morreram.
O compressor é ligado ao motor do barco. Um botijão vazio é usado como reservatório de ar, canalizado pro pescador que está no fundo do mar. Eles capturam a lagosta com as mãos.
Marcelo Vianna: a produção de um dia de pesca com compressor equivale a quatro dias de pesca com manzuá. Ela é muito mais lucrativa, mas, ao mesmo tempo, ela é muito mais impactante. A captura é muito grande, e a lagosta já é um recurso que está diminuindo e não tem uma legislação que especifique. Enquanto a pescaria com manzuá fica parada durante seis meses durante o defeso, essas atividades de mergulho e de rede, por serem ilegais, operam durante o ano inteiro. Eles, inclusive, mergulham nos manzuás com lagostas e retiram lagostas dos manzuás, isso tem criado um conflito gigantesco aqui na região.
E não é de hoje que a pesca da lagosta mexe com os ânimos. Há 50 anos, nessas águas, brasileiros e franceses entraram em conflito. Houve uma disputa, um problema diplomático por causa da pesca da lagosta. Navios franceses estavam pescando no litoral do Ceará e no litoral de Pernambuco e os pescadores brasileiros, é claro, não gostaram.
Chegou a hora de ir buscar esse tesouro. Está aberta a temporada da lagosta, vamos começar pelo barco da nossa pescadora, a Sidnéia.
É difícil de se equilibrar. O barco balança um pouquinho mais. É um barco a motor, anda um pouco mais rápido do que os barcos à vela da maioria dos pescadores de lá. Mesmo assim a previsão de chegada é de umas duas horas e meia de navegação. Mas, balançar, você sabe, é com o Globo Mar.
Poliana: esse é momento de maior expectativa, porque depois de seis meses sem pescar, eles tão puxando a primeira armadilha, o primeiro manzuá, pra ver o que vem de lagosta. Olha, duas. Até que enfim. Desencantamos.
Sidnéia Lusia: está bonita essa, mas está melhorando.
Enquanto a Sidnéia retira os manzuás, a equipe do programa vai ver como estão se saindo os outros pescadores. Uns com menos sorte, outros com mais.
Joaquim Sabino, pescador: quem tem sorte de acertar, pega. Quem não tem, vem embora sem nada.
Poliana: vocês estão com fé pra essa temporada, estão animados, estão otimistas, como é que tá, depois desse saco?
Eduardo Batista de Souza, pescador: eu acho que, depois disso, a gente está muito ansioso. Eu acho que a tendência é melhorar.
Joaquim Sabino: expectativa de melhorar, e que seja bom.
Poliana: nossa que sacão. Quantas tem, Eduardo?
Eduardo Batista de Souza, pescador: tem mais ou menos, umas 100 lagostas.
Poliana: você colocou quantos manzuás?
Eduardo Batista de Souza: lá nós temos 60 cangalhas.
Poliana: E dessas 60 saíram essas cem lagostas. Hoje cedo você saiu com fé, Eduardo?
Eduardo Batista de Souza: saí. Ontem mesmo eu já fui arriar com fé. Já hoje eu disse à mulher lá em casa que, quando eu chegasse, eu trazia lagosta.
Poliana: saiu com fé e vai voltar como?
Pescador: com fé, mais ainda. E feliz.
Poliana: quando chega em casa com esses dois sacos de lagosta, como é que é?
Pescador: a mulher lá vai dar graças a Deus.

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